15/08/2013

A tristeza do artista quando jovem


Era uma vez, um evento cheio de banda autoral num pub bacana, dia de semana e cerveja gelada no freezer. Quando olhou o camarim reservado, se alegrou. Instrumentos musicais se misturavam ao cheio forte da urina no banheiro acoplado. Depois de anos de anonimato, esnobação dos críticos e completa inexistência na lembrança da mídia gorda, aquilo era a prova de que havia certa justiça “nesse mundo de meu D´us”. O autoral, enfim, tinha voz (e vez!).

Numa algaravia, os auxiliares perguntavam coisas sobre a tonalidade da mesa de som, sobre o roteiro, os convidados “vip”, as canjas. Mas seus ouvidos não acompanhavam mais nada do que vinha de fora. Só as orelhas de dentro funcionavam agora. As orelhas e os olhos internos.

Lembrava-se com grande clareza de seu longo calvário, as temporadas no circuito alternativo das cidades-satélites de Brasília. Muitas vezes tocando sem cachê algum, apenas para tentar imprimir suas ideias revolucionárias a um grupo pequeno, mas interessado no novo. Por outro lado, não havia meio do trabalho dele decolar, parecia uma sina. Quanto mais tentava divulgá-lo, buscar pacientemente espaços, mais era esquecido pelos que controlavam as programações de rádio e tevê. O acaso começava a jogar a favor. Agora vai.

Um assistente avisou que faltavam dois minutos para o início do show. Fez uma pequena prece, memorizou o repertório. Ouvindo o ruído dos primeiros ruídos de rock da noite, ergueu-se, dirigindo-se altivo à boca do palco, e, como sempre, à espera de um show que nunca começava.

Nesse instante, o último ônibus para sua casa tinha acabado de passar. Sua volta pra a tão aguardada cama quente há 50 km dali, era apenas um desejo distante. Seu dinheiro mal dava pra pegar as outras 4 conduções até chegar no tão sonhado lar doce lar. 

E, em seu momento mais triste, parou – olhou – refletiu: Para que serve o atraso?500 anos nos fazemos esta pergunta. E, antes de nós, os portugueses também a faziam. Só que, para eles, a resposta era bastante curta e grossa: "Pindorama serve para levarmos ouro e deixarmos padarias”.

Para Dom Pedro I, foi amplamente divulgado, o atraso serviu para arrumar rabos-de-saia. E, para seu pai, serviu para tirar umas fotografias a mais (ou a menos!) em preto e branco. A realidade é que cada um tem uma resposta para o enigma. Se fizéssemos a mesma pergunta para formadores de opinião contemporâneos teríamos muitas surpresas. Neoliberais de raiz, por exemplo, provavelmente responderiam, com sotaque ianque: "serve pra eu continuar empregado do George Soros. Já Gisele Bündchen, grande musa, diria: “Atraso”? Mas o que é isso?”.

Sim, sempre foi difícil definir, quanto mais uma mega-comunhão de raças, credos e times de futebol. Há quem diga que o ele não existe, que é apenas mais uma novela da Globo, transmitida 24 horas por dia, com direção do Roberto Talma e roteiro da família Marinho.


Há os que juram de pés juntos que o relógio é que é o culpado. Talvez, até por causa desta falta de definição, a pergunta continue latejando em nossas testas por séculos e séculos: pra que servem eventos com esperançosas almas, artistas multifacetados e uma dívida infinitamente menor que a paciência da sua população? Serve para o trabalho (quando há trabalho), em vez de dignificar, danificar o Homem? Serve para enriquecer meia centena de produtores? Serve pra escrever crônicas interrogativas como essa? Talvez fosse melhor pensar para o que não serve esta falta de respeito.

Por isso, é tão importante se fazer esta pergunta. Ao dormir, ao acordar, ao fazer as refeições (se houver refeições), na fila do INSS, na carteira escolar, no banho (se houver água). Afinal de contas, para que serve o horário estabelecido nas casas de shows? Os velhacos mandatários da nossa política já devem ter se feito esta pergunta antes. E muitos já teriam mesmo uma resposta pronta, na ponta da língua, há muito tempo: "o relógio serve pra me servir”.

E, como tudo o que escrevi aqui é ficção, pode ser que eu esteja fingindo ou mentindo.

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