16/02/2010

90s: O rock futurista da Divine

por Carlos Pinduca*

Logo que comecei a escrever o Pinduca's blog, em meados de 2009, postei um texto apontando o disco Órfãos da Nação, da banda crossover BSB-H, como elo entre o rock brasiliense dos anos 19801990. No final daquela postagem, revelava que, para mim, a ponte entre as gerações brasilienses seguintes (90's e 00's) era a banda Divine.


Este texto, portanto, vem pagar a dívida deixada com os leitores.

Surgido em 1992, com o nome de Ultraviolet, o grupo começou a partir de uma colaboração de músicos das bandas Oz e Low Dream com o, à época, estudante de História e editor do fanzine Heaven, Cláudio Bull. Depois de um episódio que se tornou uma espécie de clássico da cena independente brasiliense, em que os músicos foram assaltados dentro de um estúdio na Asa Norte, a banda deu uma parada e acabou só tomando corpo mesmo em 1993, já com integrantes “próprios”: o baterista Marcius Fabiani, o baixista Daniel Luna e os irmãos guitarristas Wilton e Wagner Rossi (este último trocaria a guitarra pelo baixo posteriormente), além do vocalista e letrista Cláudio Bull. A mudança na formação também trouxe um novo nome: agora, o grupo se chamava Divine’s Men (depois, passou a ser somente Divine) numa referência ao ator norte americano Harris Milstead (1945-1988), mais conhecido por sua persona drag queen Divine.

Foi mais ou menos em 1993 que eu conheci o vocalista Cláudio Bull. Cursávamos – também com o baterista Marcius Fabiani - a disciplina Estética e Cultura de Massa, na Faculdade de Comunicação da UnB, e começamos a trocar algumas idéias sobre música. Já nas primeiras conversas deu para sacar que o Cláudio conhecia muita coisa tanto dos clássicos quanto das últimas novidades do rock e do pop. Como ele era um pouco mais velho e sempre teve a verve de colecionador de discos e revistas, sua casa acabou se tornando ponto de encontro de muitas gerações de roqueiros brasilienses para se escutar e falar sobre música.

Muito do que se encontra no som e na postura da Divine está ligado a essa visão ampla da cena musical do líder Cláudio Bull, derivada do seu lado fanzineiro e historiador. Neste ponto, é interessante notar como a banda sempre lutou pela construção de uma cena local, seja organizando shows e festivais ou mesmo trocando informações com grupos de outros estados. Paradoxalmente a essa noção de coletivo, a própria carreira da Divine acabou sendo construída de uma maneira quase solitária (inclusive, no que diz respeito à formação de um público), sem se associar exatamente a nenhum grupo ou estilo.

Logo que a banda lançou sua primeira demotape (Portfolio), em 1994, lembro de o Cláudio Bull rejeitar veementemente os conceitos de brodagem e podreira, tão em voga no rock brasileiro dos anos 90. Ao mesmo tempo, a banda que começou com a colaboração de membros dos Oz e Low Dream também deixou logo para trás o lado estrangeirista das guitar bands para escrever letras em português e tratar de temas como sincretismo religioso e sexualidade, com diversas referências à cultura brasileira. Na segunda metade da década de 90, quando diversos músicos da cena alternativa brasiliense resolveram trocar as guitarras pelas picapes, a Divine buscou mesclar as linguagens roqueira e eletrônica em uma terceira via. Essa fusão sonora está bem explícita no primeiro disco da banda - link pra download no fim da postagem - lançado em 98, que conta com a produção do mineiro Paulo Beto, oriundo da escola eletrônica.

Na própria construção das canções, a Divine – cuja formação clássica, a partir do final de 1997, contava com Cláudio Bull (vocal e letras),Wilton Rossi (guitarra), Zeca (baixo) e Thiago Bouza (bateria) - também tinha um estilo bem peculiar de compor: enquanto o guitarrista canhoto Wilton Rossi usava seu background roqueiro para misturar riffs setentistas com dedilhados oitentistas, o vocalista Cláudio Bull encaixava suas letras de cunho literário, histórico e antropológico – frutos de uma forte influência de Caetano Veloso, Fellini, David Bowie e krautrock – dentro de melodias quase cerebrais. Somando a esse núcleo, entrava a bateria quebrada, esporrenta e visceral de Thiago Bouza e o baixo pulsante de Zeca (ex-Animais dos Espelhos e Câmbio Negro). Em sua última formação, a banda ainda contou com o teclado de Gustavo Cochlar (ex-Chantilly e também DJ). Se a falta de uma educação musical mais formal fazia o próprio vocal de Bull fugir algumas vezes do tom, essa espécie de carência parecia suplantada pela força das canções e a coesão da banda.

A permanência do Divine – e seu estilo meio indefinido, com toques de glam rock, punk, eletrônica e indie rock – na cena roqueira até 2002, ano de sua dissolução, fez com que a banda se tornasse uma espécie de ponte entre o rock brasiliense dos anos 90 e 2000. Se olhamos para o final da década de 90 em Brasília, o que se vê é um cenário roqueiro repleto de bandas de hardcore ou buscando um regionalismo forçado (para imitar Raimundos e Chico Science), com os músicos indies migrando para a música eletrônica. A Divine, apesar de conservar parte da linguagem indie dos 90’s,trazia muito da informação que nos anos 2000 seria bem mais comum: um rock urbano e moderno com sotaque brasileiro, sem precisar recorrer a misturebas sonoras ou regionalismos, sem rivalizar ou se entregar para a música eletrônica.

Por conta dessa admiração e amizade com o Cláudio e os demais membros da Divine, tive a oportunidade de produzir – não muito bem, por sinal – uma demo da banda em 1995 (¡Los Chicos No Quiziéron!). Além disso, cheguei a regravar duas músicas deles com o Prot(o): Spacepop 2, na demo “Prot(o) ao Vivo”, quando este ainda era um projeto solo, em 1997, e A Rainha das Garotas Más, no segundo disco do Prot(o), como banda, em 2006. Além disso, nós, do Prot(o), dividimos com a Divine vários shows e até uma mini turnê em São Paulo, em 2000 (que ainda contou com os goianos MQN e Motherfish). O que sempre imperou na relação das duas bandas foi um senso de respeito e cooperação.

Com o fim da Divine, a dupla Cláudio e Wilton, acompanhada pelo produtor, tecladista e cineasta Zepedro Gollo, montou um outro projeto, chamado Superquadra, cujas letras misturam um olhar contemplativo com visões ácidas sobre a arquitetura e o estilo de vida dos brasilienses. Com um pé ainda mais fincado em bases eletrônicas e espaciais, menos peso nas guitarras e uma batida mais cadenciada, o Superquadra acabou levando à frente – e até evoluindo em alguns sentidos - muito da sonoridade legada pela Divine. Em 2006, o Superquadra lançou o seu primeiro disco, Tropicalismo Minimal, eleito o melhor álbum brasileiro de rock e pop daquele ano pelo jornal Correio Braziliense. Longe de significar apenas a valorização ao momento inspirado do Superquadra, o alto do pódio na eleição do Correio veio valorizar o trabalho de mais de uma década de um grupo de músicos que, apoiado em diversas referências do passado, sempre apostou no futuro.


Divine – Divine (1998)

1. Número Um
2. Spacepop
3. A rainha das garotas más
4. Zé Pilintra rasga o verbo
5. Uns restos de ressaca deram uns tombos na madrugada
6. Santo Antônio do Descoberto
7. Sobre um oceano
8. Cartas para Thor
9. Lâmina azulada
10. Exubeat
11. Batum-hum

BAIXE AQUI

* Pinduca foi integrante do Maskavo Roots e Prot(o), e edita o Pinduca's blog, onde o texto foi originalmente publicado e onde é possível baixar também os demais trabalhos da banda..

2 comentários:

  1. Não tem como não admirar o Bull. Ele move as novas bandas que surgem na cidade e serve de inspiração, já que ajuda muitas delas a poder se divulgar num meio que é cheio de panelinhas.
    Além disso, é um dos caras mais inteligentes que já conheci...sinceramente.
    Força pro Superquadra- uma das melhores bandas que existem/existiram em Brasília( no meu ver).

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  2. Valeu pela presença e pela participação, Laura, apareça sempre!

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Renato Nunes

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