27/08/2009

Ctrl C Ctrl V: A profundidade de ‘1,2,3,4’

por Carlos Pinduca*

A primeira vez que ouvi falar do Little Quail and the Mad Birds – banda brasiliense formada em 1988 por Gabriel (voz e guitarra), Zé Ovo (baixo) e Berma (bateria - logo substituído por Bacalhau) – foi em meados de 1990, por meio dos meus colegas do Conexão Brasília, banda de colégio de onde saíram três membros da formação original do Natiruts e dois do Maskavo Roots. O Conexão tinha tocado nas eliminatórias do Festival Interno do Colégio Objetivo (FICO) – em grau de importância para a gente na época, uma espécie de Rock in Rio - e seus membros voltaram falando de uma banda ridícula e esquisita que tocava uma música também ridícula e esquisita chamada 1,2,3,4. O pior é que, assim como o Conexão, eles tinham passado para a grande final do festival, que se realizaria no Ginásio Nilson Nelson, com show de encerramento do Barão Vermelho.

Se não fui às seletivas, acabei comparecendo à final do FICO, para engrossar o coro de torcedores do Conexão. Além de assistir aos meus colegas de colégio, fiquei curioso também para ver a banda ridícula tanto falada, o tal Little Quail. Mas os concorrentes foram passando e nem sinal deles: ou tinham tocado antes de eu chegar ou simplesmente não deram bola e “mataram” o festival. Posso estar confundindo as histórias, mas anos mais tarde fiquei sabendo que eles não foram à final do FICO porque estavam trazendo para Brasília naquela noite o Missionários, banda seminal de psychobilly de Curitiba.

De qualquer forma, só consegui assistir de fato ao Little Quail tardiamente, já no final de 1991, em um show no KG Bar, boteco instalado por pouco tempo nos fundos do então badalado Centro Comercial Gilberto Salomão. Fiquei de cara com a banda: eles eram afiados no palco e contavam com um público fiel – tudo isso em cima de um repertório próprio que fugia ao senso comum da época.

Neste ponto, vale explicar um pouco o contexto daquele final dos anos 80 e iniciozinho dos 90: o que preponderava era o rock com letras politizadas e forte apelo poético, fruto de uma forte influência renatorussiana. Algumas bandas, como De Falla, Kães Vadius e Cascaveletes, já fugiam desse padrão, mas o que estourava nas paradas era mesmo Paralamas, Barão, Titãs e Legião Urbana e seus seguidores, como os cariocas do Uns e Outros, por exemplo.

E mesmo se considerássemos o Little Quail dentro de um pacote de bandas mais debochadas, digamos assim, como Ultraje a Rigor ou os chatos e bombados à época Inimigos do Rei, dava para notar que a banda de Brasília já rumava por um caminho mais radical. Um belo exemplo desse radicalismo é a música 1,2,3,4, cuja letra se limita simplesmente a contar os quatro primeiros números cardinais, de forma nonsense e excessivamente minimalista, sobre uma base musical mezzo rockabilly mezzo punk rock.

Em Brasília, as canções inusitadas e criativas do Little Quail – Família que Briga Unida Permanece Unida, Azarar na W3, Essa Menina, Aquela e 1,2,3,4, entre outras – tornavam-se cada vez mais conhecidas, sempre dividindo a opinião do público sobre o seu conteúdo pretensamente bobo. No entanto, bastava uma olhada mais atenta para notar que ali não existia nada de ingênuo. Pelo contrário, o que havia era uma fina ironia, uma propositada infantilidade com clara intenção de nadar contra a maré do que era considerado sério por parte do público e crítica.

Nesse sentido, vale ainda chamar a atenção para o pioneirismo do Little Quail dentro da cena musical brasiliense dos anos 90. Eles foram os primeiros da sua geração a fazer intercâmbio com bandas e jornalistas de outras cidades. Também foram uma das primeiras bandas da capital – ao lado dos grupos de Metal – a lançar e comercializar sua já clássica fita demo, em meados de 92. Essa atitude sempre profissional levou o Little Quail a integrar a coletânea A Vez do Brasil, lançada pela gravadora paulista Eldorado no ano de 1993, o que fez com que suas músicas fossem incluídas na programação de diversas rádios pelo Brasil. No final deste mesmo ano, numa clara trajetória ascendente, a música 1,2,3,4 chegou a ser considerada, junto com Haiti (de Caetano e Gil), como a melhor canção de 1993 pela revista Bizz.

Em 1994, o Little Quail finalmente lançou o seu aguardado primeiro disco, Lírou Quêiol en de Méd Bãrds, pelo Banguela Records, selo de propriedade dos Titãs. O álbum, produzido por Carlos Eduardo Miranda, agradou aos novos fãs, com sua inteligente mistura de rock de garagem e letras divertidas. Para os conhecedores mais antigos, no entanto, o resultado foi um pouco decepcionante: as músicas estavam muito rápidas, sujas e tinham perdido um pouco da inocência rockabilly presente na demotape. A impressão que dava é que o Little Quail gravara o disco de forma ansiosa, querendo aproveitar a onda hardcore dos Raimundos, o que acabou desfigurando de maneira considerável o seu som.

O segundo disco da banda, A Primeira Vez que Você me Beijou (1996), trouxe respostas claras aos deslizes do primeiro álbum: as músicas voltaram a ficar mais limpas e num ritmo cadenciado. No entanto, o resultado, infelizmente, soou ainda um pouco artificial. Parecia que o tão positivo profissionalismo da banda no começo tinha se transformado numa negativa ansiedade. Para piorar o quadro do Little Quail naquele período, o estouro dos Mamonas Assassinas e de outras bandas engraçadinhas fez com que eles fossem incluídos num pacote de grupos “besteirol” e “sem conteúdo”. Nada mais injusto para uma banda pioneira, que sempre teve a fina ironia como uma das suas mais poderosas armas.

Lembro que, ao lançar o primeiro disco do Prot(o), em 2003, um jornalista de um site especializado em música me fez uma pergunta mais ou menos assim: - Vocês fazem parte de uma geração (encabeçada pelo Los Hermanos) que está voltando a dar atenção e profundidade às letras, etc e tal. Em um dos momentos em que me senti justo na vida, fiz questão de responder que não concordava muito com essa visão e que, se as coisas fossem colocadas dentro de um contexto, ficaria claro que bandas como Little Quail e Raimundos tinham letras excelentes e diferenciadas à sua maneira.

O passar dos anos tem criado um hype em torno do Little Quail e de outras bandas dos anos 90, num processo cíclico natural. Hoje, com cada um de seus ex-membros tocando seus projetos individuais (Gabriel comandando o Autoramas; Bacalhau nas baquetas do Ultraje a Rigor e do Orgânica e o Zé Ovo como um experiente diretor de palco), a banda dá shows esporádicos para um público formado por antigos e novos fãs, ávidos por ter contato com aquele espírito adolescente presente nas músicas da banda.

Há alguns anos, pude ir a um desses reencontros aqui em Brasília, num ginásio que, se não ficou lotado como em outros tempos, encheu o suficiente para criar um clima de saudável nostalgia e reverência a uma das bandas mais importantes e admiradas da história do rock brasiliense.

* Carlos Pinduca foi integrante das bandas Maskavo Roots e Prot(o) e edita o Pinduca's blog, onde este texto foi originalmente publicado.


Little Quail and the Mad Birds - A primeira vez que você me beijou (Virgin, 1996)

01. A Alegria Está Contagiando O Meu Coração
02. Mau-Mau
03. O Alarme
04. AA
05. I Need You
06. Rachel's
07. Composição De Sucesso
08. Dezesseis
09. Me Espera Um Pouco
10. Ponta De Lança Africano (Umbabarauma)
11. Galera Do Fundão
12. Problem Girl
13. Vencemos
14. Tre-le-lê


4 comentários:

  1. Esse é o melhor disco do Little Quail!

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  2. É o Silly Billy fazendo história. Tem a versão metal do Restless pra 1,2,3,4. Se tudo der certo, o LQMB toca no Porão desse ano. Ficamos na torcida!

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  3. Parabéns pelo blog ta muito legal mesmo, gostei realmente, dificil achar páginas com bons conteudo, muitos blogs são um lixo, porém esse aqui é muito bom.

    Mais uma vez parabéns

    Gostaria de aproveitar e deixar o link do meus blogs para que possam da uma visitada.

    Metal Fire
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    Abraços

    www.metalfire1.blogspot.com
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  4. Valeu, pela presença, galera.

    Lennon, vou conhecer seu blog, valeu pelo comentário.

    Evandro, bóra ver se a gente se encontra quando os LQ estiverem em Bsb.

    Abs

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