02/08/2011

Discoteca Nacional: Titanomaquia (1993)

por Rafael Lamim*

Logo no início dos anos 1990, as guitarras distorcidas e pesadas do grunge de Seattle ditaram o padrão do mercado do rock internacional. Já o rock brasileiro, era ainda representado por bandas dos 1980 que não acompanhavam a demanda por rock pesado que já existia por aqui. Uma crise de identidade pairava sobre aquelas bandas, que estavam com muito mais jeito de ressaca do boom oitentista do que de bandas que ainda tinham lenha pra queimar.

Nesse contexto, o que esperar de um novo album do Titãs? A banda havia perdido o Arnaldo Antunes logo após o lançamento do disco anterior (Tudo ao mesmo tempo agora, de 1991). Também abandonou a parceria de anos com o produtor Liminha (responsável por seus melhores discos até então) e investiu no americano Jack Endino, que tinha produzido o primeiro disco do Nirvana, "Bleach", de 1989, além de ter trabalhado com  Mudhoney e Soundgarden.

Titanomaquia saiu em 1993. Estrapolando tudo o que fora insinuado em Tudo ao mesmo tempo..., a banda aparece ainda mais visceral que o disco anterior.

Os vinis chegavam às lojas embalados em plásticos pretos, semelhantes a sacos de lixo - uma ironia de brinde para os críticos que assim haviam qualificado o disco anterior. Na capa, recortes de cores e retangulos desinteressantes.

Esse desdém com a crítica aparece logo nos primeiros versos de Nem sempre se pode ser deus ("Não é que eu me sinto mal / Eu posso fazer igual / Não é que eu vá fazer igual/ eu vou fazer pior"). Se é desdém ou mágoa é outra história. Mas foi bem canalizado na agressividade desse trabalho.

Disco vinha embalado em "saco de lixo"
Os ataques e ironias seguem em "Será que é isso que eu necessito". Afinal, quem é que precisa tomar cuidado com o que diz? Branco Mello se sente em casa nas paranóicas "De Olhos Fechados" e em "A Verdadeira Mary Poppins". Já Paulo Miklos narra uma obsessão doentia em Taxidermia, que também virou single. O trabalho dos dois guitarristas, Tony Belotto e Marcelo Fromer, é excepcional e demonstra o quanto a banda soube se adaptar para executar sua proposta sonora. Tudo soa sujo e porco, com vários espaços preenchidos por microfonias e distorção.

O baterista Charles Gavin supera todos os trabalhos anteriores, destaque para "Agonizando" e "Estados Alterados da Mente". Aliás, é legal lembrar que ambas tratam de drogas, um tema que até então era pouco abordado pelo grupo. "Dissertação do Papa seguida de Orgia" talvez seja a temática mais pesada, na qual apenas é narrado um texto de Marques de Sade, no qual são citadas atrocidades cometidas pela cultura humanas e pelo cristianismo.

Muitos sentiram a ausência do Arnaldo Antunes (que participa com algumas letras, como "Disneylandia"). Outro que pouco aparece no disco é o baixista Nando Reis, que começava o seu trabalho como compositor de MPB e já compunha para artistas como Marisa Monte e Cassia Eller. Em "Titanomaquia", Nando canta apenas "Hereditário", que junto de "Tempo pra Gastar" parece meio fora de lugar no disco.

Titanomaquia, cujo nome vem de um episódio da mitologia grega que narra a luta entre titãs e deuses do Olimpo, é um excelente registro de que algumas bandas brasileiras dos anos 1980 e 1990 só não foram verdadeiros grupos de rock, de padrão internacional, porque não quiseram.

* Rafael Lamim é vocalista e guitarrista da banda brasiliense de rock pauleira e maldade, Enema Noise

4 comentários:

  1. Massa essa resenha!!! Muito bem, Lamim!! Só acho que muito do insucesso de bandas daqui lá fora vem muito também do protecionismo dos estrangeiros, que ás vezes vêem bandas daqui como "bandas brasileiras de rock" e não apenas como "bandas de rock"... but uóréva, nós não temos only bananas, temos o TITANOMAQUIA!!!!! Kisses!!!

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  2. Legal ver uma resenha sobre esse álbum renegado da discografia roqueira nacional. Preciso avisar, há um pequeno erro no texto. Não é o Branco Mello que canta "De Olhos Fechados" nem "A Verdadeira Mary Poppins", e sim o Paulo Miklos. Branco canta outras, como "Dissertação do Papa", "Estados Alterados da Mente" e "Nem Sempre se Pode Ser Deus". No mais, parabéns pelo blog e por dar uma desempoeirada no que essa banda morta já fez de bom. Abraço

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  3. junior titanomaníacoterça-feira, outubro 25, 2011

    titanomaquia é uma raridade na música brasileira mesmo... pra mim só uma ressalva: a música hereditário realmente é fora de sintonia, mas tempo pra gastar é totalmente inserida no contexto do disco, abraço

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