09/03/2010

Série 50 anos: 2. Meninos, eu vi (1990s)


Por Zeca Domingos

Este texto vai ser meio difícil de fazer: É relativamente fácil falar de outras bandas, mesmo das que eu já toquei. Outra coisa é falar de mim mesmo como se fosse uma reportagem. Vou tentar, já sabendo que é um jogo perdido. Por que tentar? Ora, quem não gosta de falar de si mesmo? E, querem saber? Pode soar convencimento de minha parte e não estou nem aí. Caras,  tenho quase 40 anos e, convenhamos, já passei do tempo de falsa modéstia; quando você tem 15 anos, nego te pergunta se você toca baixo e tu diz assim eu tento ou estou aprendendo olhando pro chão e rindo sem graça; quando te perguntam de sua banda, você diz algo do tipo, ‘toco com uns amigos aí e tal’; se você é novo nas pistas, fica também sem graça de dizer o seu nome de DJ, ou pior, esconde-se em nomes ridículos que mal duram um fim de semana.

E, sério mesmo, não é convencimento. Mas sim orgulho de fazer parte – mesmo que mínima – desta história louca que é construir parte de uma cultura, de uma cidade ‘sem tradições próprias’ que, para desespero de muitos, está completando 50 anos e derrubando os rótulos conservadores através dos tempos.

Na década de 60, éramos uma utopia. E a cidade tornou-se um fato incontestável. Na década de 70 tornamo-nos capital da malfadada ditadura, capital do Poder; na década seguinte, reinventamos o rock brasileiro e ajudamos a pôr a ditadura abaixo. O próprio rock acusava a cidade de ser um tédio; acabamos com ele na década de 90 com nossas festas. E, a fazenda asfaltada que teria 500 mil habitantes no ano 2000 é, agora, próximo do término da primeira década do século 21, a terceira metrópole do país.

A parte na qual integro – que, ainda bem, ainda tenho muito para fazer por esta história – passa pelos últimos 30 anos, mais da metade do tempo de vida  de minha cidade: sempre público e artista. Os anos 80 me ensinaram que um astro de rock não é intocável, ele está do seu lado e, aliás pode até ser você  (Desde aquela época nunca tive medo de artistas.  Aliás, desprezo profundamente caras da cena que ‘se acham’ ícones intocáveis. De onde eu venho, meu caro, isto não existe).  Me lembro do Dinho falando que nós poderíamos montar uma banda, no mesmo show em que o Capital afirmava que iria soltar bombas no Congresso. Naquele mesmo show a Plebe apresentou o melhor disco da década de 1980, ao vivo e a cores. E a cidade mal tinha completado 25 anos.

Ainda nos anos 80, rolavam os shows nas tardes de domingo no Parque da Cidade: Lá eu conheci um insulto ao sistema chamado Filhos de Mengele, no mesmo palco que a Cássia Eller e os super eletrônicos Tonton Macoutes. É possível imaginar isto hoje em dia? Eu veria mesmo o grupo  - que era uma referência a guarda pessoal do presidente haitiano – em um festival na UnB de cultura latino-americana em 1989 e ficaria catatônico por 3 dias.

Quem não é músico tem uma percepção diferente de nós. Não nos entendem. As pessoas não sabem a sensação de poder que passa por dentro da gente antes de um show começar, quando você dá a primeira porrada no baixo, num bom amplificador. Toda aquela gente esperando você fazer algo...As vezes me sentia como nos gibis. Eu só fui entender isto quando li Love and Rockets em 1990. Lembro que no dia 13 de maio de 1988, centenário da Abolição, que o Movimento Negro está fazendo questão de esquecer, teve um show na ciclovia do Lago Norte. Cheguei com alguns amigos, tinha eu uns 17 anos, não podia ir ao Gilbertinho (ouvia falar que lá as coisas aconteciam), mas estava todo de preto. Caralho, todo mundo olhava pra gente como se fossemos entidades de um outro mundo. Aí o Detrito Federal passou o som tocando Rock and Roll do Led Zeppellin. Que peso. Aquele bumbo da Débora pesava muito. Lindo. Eu só fui entender isto no meu primeiro show com equipamento que prestava, na inauguração das obras do Galpãozinho em 1989. Sentei na bateria e pisei no bumbo e ouvi aquele puta som tremendo o palco e me assustando. Pombas, a minha bateria de ensaio eram dois banquinhos de couro. E tipo uns três anos depois do Capital Inicial no Congresso, eu estava posando de artista.

A primeira banda que toquei não fez shows. E não precisava. O simples fato de conseguirmos tocar algo que havíamos pensado fazia bem para nossas cabeças. É um clichê, mas o rock é mesmo uma droga. Uma descarga de energia que você sempre quer provar e sempre quer provar mais. Primeiro, os ensaios, depois os shows, as gravações. E tudo vai tomando proporções cada vez maiores. De repente, você está tocando pra quase 70 mil pessoas num megafestival. E você não quer parar. Uma vez, o Claudio Bull (vocalista da Divine) me perguntou se eu tinha medo do sucesso. Eu disse ( proféticamente, aliás ) que tinha medo mesmo era de voltar com o rabo entre as pernas para UnB. O sucesso não me apavorava.
Mas eu estou perdendo o timing. ‘Brasilia, 50 anos, meninos eu vi...’,  vamos aos anos 90.

Sentencio: qualquer narrativa sobre o rock de Brasília que fale dos anos 80, 90, 00 que desconsidere o Little Quail é injusta. Simples assim. Me recordo que houve um ano – 88, 89 -  que não tinha nenhuma banda dando show, só a turma do Bacalhau. E eles saíram daqui e levaram nossas demos para todo o país, quando não existia internet nem a ideia da Abrafin. Mantiveram a ideia da Capital do Rock na ativa.

Na virada dos anos 90, a música eletrônica veio pra quebrar tudo. Assim como o Little Quail está pro rock, Cnun e Sunrise estão para a cena de festas na cidade: Escandalizaram, trouxeram novidades, quebraram preconceitos e, para o ódio dos paulistas, fizeram as primeiras Raves Mas no início daquela década, não existiam ainda fronteiras na música eletrônica. Tudo era festa: Dreams, Balakobako, Sphaera, Jungle São Rock, Sindicato, Bizzarre/Squeeze, Glasgow: rolavam todas as tendências eletrônicas e de rock pesado, que pensando hoje, nem tem como imaginar: EBM, Techno, Ministry, Body Count. Nesta época que eu comecei a discotecar. E, simplesmente, não existiam DJs de rock! Acredito que muita gente me viu tocar e pensou ‘pombas eu tenho uns discos/cds e posso fazer o mesmo que este cara’.

Na verdade, eu comecei a tocar por volta de 1994, nos períodos em que toquei baixo com os Animais dos Espelhos, Câmbio Negro, Divine, Succulent Fly, Neuras Planetóides e Bsb-H; no mesmo período que eu abri shows com o Fugazi, Superchunk, Chico Science e Nação Zumbi – na UnB!, Gabriel Pensador, Racionais e tanta gente legal.

4 comentários:

  1. Curti demais esse texto, fco show de bola. Quero falar com alguém do blog, me passem algum e-mail onde eu posso entrar em contato com voces?
    Abraço
    joao pedro VidaHC
    www.vidahc.blogspot.com

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  2. Zeca,

    Muito legal o texto. Definiu muito bem o espírito dos anos 90 (e final dos 80), fazendo um paralelo inteligente entre o seu lado de instrumentista e DJ. Achei muito interessante a forma como você estruturou o texto: pincelando certos fatos e bandas ao longo do tempo. Comandou, prof Marcelo, como de costume.

    Grande abraço.

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  3. Sem rasgação de seda, Pinduca: Vindo de você é um GRANDE ELOGIO mesmo. Muito Obrigado.
    E manda um recado pro Pedro Ivo: O Smashing Pumpkins está procurando um baixista. Isto é sério. Pede pra ele dar uma olhada na página da banda!!!!!

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Renato Nunes

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